Após anos de discussões a respeito da necessidade do jejum para realização de exames laboratoriais, a Federação Europeia de Química Clínica e Medicina Laboratorial e a Sociedade Europeia de Aterosclerose entraram em um consenso a respeito do assunto. Um estudo divulgado em abril de 2016 mostrou que, habitualmente, não há necessidade do jejum na medição do perfil lipídico de um paciente.
Em dezembro daquele ano, a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC), o Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC/DA), a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) divulgaram o Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico. O documento abordou a flexibilização do jejum para avaliação do perfil lipídico, criando novas diretrizes.
Até o consenso, os exames para medir o perfil lipídico (colesterol total e suas frações, como os chamados colesterol bom e ruim, e triglicérides) eram realizados pelos laboratórios após 12 horas de jejum do paciente. A partir do documento de normatização, foram definidos novos valores de cada parâmetro para a interpretação médica como consequência da exclusão de jejum. Isso porque, após anos de estudos e discussões, houve a constatação de que, com os avanços de metodologias diagnósticas, o consumo de alimentos antes da realização desses exames não causa interferências significativas na análise do perfil lipídico.
Segundo Ronan Pereira, gerente de pós-venda da Labtest, a realização de exames sem o jejum altera mais a maneira de interpretar o resultado do que os valores de referência. No colesterol total e no colesterol HDL (comumente chamado de “bom”), temos uma alteração pequena no valor de referência para análise. Mas no colesterol LDL (colesterol “ruim”), a interpretação é feita agora a partir de valores de risco para o paciente.
Vantagens e exceções
A modificação da exigência do jejum nos exames de perfil lipídico apresenta benefícios tanto para o paciente quanto para o laboratório. “Ficar em jejum é muitas vezes desconfortável. Com essa alteração, a pessoa pode fazer o exame a qualquer momento do dia, o que dá comodidade a ela. Também é algo positivo para os laboratórios de análises clínicas. A maioria das coletas é realizada na parte da manhã, então, é necessária concentrar mão de obra nesse período de congestionamento. Com a mudança, o fluxo de atendimento é otimizado, e a mão de obra pode ser redistribuída ao longo do dia. Isso acaba dando ao paciente mais opções de horários disponíveis para a coleta“, explica o gerente.
Apesar das vantagens da alteração, há casos em que o jejum é exigido, mesmo para o perfil lipídico. Segundo Pereira, quando o resultado de triglicérides obtido no estado pós-prandial é >440 mg/dL em algumas situações, será recomendada nova avaliação após jejum de 12 horas. Também deve ser observada a necessidade de medição de outros testes incluídos no pedido devido a interferência da lipemia, podendo alterar o resultado. As taxas altas de triglicérides são comuns em pacientes que possuem uma alimentação muito rica em gorduras, têm o hábito de ingerir grandes doses de bebidas alcoólicas constantemente ou fazem uso de algumas drogas terapêuticas. Nesses casos, um novo exame pode ser requerido ao paciente.
Produtos adaptados
Com a publicação do “Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico”, a Labtest atualizou as instruções de uso de seus produtos com os novos valores de referência para cada parâmetro. Segundo Pereira, a modificação foi feita gradativamente. “Apesar de ser uma discussão antiga, a publicação aconteceu somente em 2016. Mas ainda não havia uma recomendação formal. Esperamos as instituições brasileiras de referência publicarem sobre o assunto para realizarmos as mudanças em nossas instruções de uso”, conta.
O gerente de pós-venda explica que não ocorreram alterações técnicas nos produtos. De acordo com Pereira, a Labtest sempre desenvolveu produtos, buscando ao máximo, reduzir as interferências no resultado. “O caminho, portanto, foi inverso. A Labtest não teve que se adaptar, pois já consideramos as possibilidades de interferências ao desenvolvermos um produto. A disponibilidade de produtos com tecnologia de alta performance foi, inclusive, a contribuição dos fabricantes de reagentes no estudo que resultou na dispensa da necessidade de jejum, para os exames de colesterol total e suas frações e triglicérides”, finaliza.
Segue um compacto, segundo a determinação:
• Quando o médico solicitante indicar o tempo específico de jejum para o exame requerido, é recomendável que o laboratório siga tal orientação.
• No caso de uma coleta de amostra para o perfil lipídico sem jejum, é recomendado que o laboratório informe no laudo o estado metabólico do paciente no momento da coleta da amostra, isto é, o tempo de jejum.
• Quando houver, na mesma solicitação de perfil lipídico, outros exames que necessitem de jejum prolongado, o laboratório clínico poderá definir o jejum de 12 horas neste caso, contemplando todos os exames.
• Para alinhamento entre as instituições e profissionais envolvidos desde o pedido do exame até o diagnóstico, recomenda-se a inserção da seguinte frase no laudo: “A interpretação clínica dos resultados deverá levar em consideração o motivo da indicação do exame, o estado metabólico do paciente e a estratificação do risco para estabelecimento das metas terapêuticas”.
Os novos valores de referência e valores de alvo terapêutico para o perfil lipídico de adultos mostram que, com jejum e sem jejum, os valores são diferentes somente para os triglicérides e idênticos para o CT, HDL-C, LDL-C e não-HDL-C. Para crianças e adolescentes, os valores referenciais desejáveis de triglicérides, com jejum e sem jejum, também são os únicos com valores diferentes (Tabelas I e II).
Artigo elaborado por Carlos Moro, Consultor Científico de Negócios – Centerlab SP